"Era tarde da noite e o relógio parado na cozinha jazia no silêncio intermitente do fim de sua vida útil, dificultando qualquer tentativa de dar precisão numérica ao tempo. Junto com o relógio, a casa permanecia num luto desconhecido, sombrio e profundamente melancólico. Havia outras pessoas dormindo na casa, mas tornavam-se, pouco a pouco, paredes para quem das paredes eram pessoas. Uma sensação esquisita me subiu a espinha. Um frio seco que subia pela medula como que cavando profundos sulcos e cuja estranhíssima sensação era de um rompimento lento e contínuo de cada terminação nervosa, que em seus níveis particulares me davam a consciência física da minha existência.
Agora eu sei. Eu estava entorpecido. A droga que me pressionava para minha eterna condição era o paradoxo da minha existência não conjugada com aquilo que frequentemente chamam de talento. O que dizem? O que escuto? Colocaram-me no canto errado. Falaram tanto de quem eu não era que me esqueci de quem poderia ser. Esqueci-me no esforço de compreender quem achava que eu era memorável e na procura de respostas esqueci o caminho de volta para a realidade de quem eu fui.
São 3 da manhã. São 3 da manhã? Que me importa? Já não vivo nas quantidades. Tornei-me uma mescla esquisita que busca, num tempo de qualidade, as realidades inventadas por outros para justificar o tempo numérico que não controlam. Terminam sempre como o relógio, mais esquisitos do que a casa, e no final do dia não são mais do que a lembrança turva de um desprendimento da realidade em uma sensação estranha que nunca conseguirão descrever."
Texto por: Nathan Carneiro Parente
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